Este artigo tece um paralelo entre os costumes dos antigos xamãs siberianos, a elaboração da figura de São Nicolau e como tais histórias mesclaram e chegaram até nossos dias, transformada em “Papai Noel”.
Já abordei em outra oportunidade que os atuais Terapeutas Holísticos descendem, em sua forma de terapia, dos antigos xamãs e sacerdotes, sendo que, é claro, adaptando as técnicas às normas da sociedade atual. Por exemplo, séculos atrás, o acesso ao inconsciente, não raro, era obtido via ervas alucinógenas, enquanto que, na Terapia Holística, o mundo onírico é alcançado de forma bem mais saudável, com métodos de relaxamento, associações de idéias, vivências induzidas pelo toque, hipnose, dentre outras opções.
Desta vez, focaremos na figura milenar dos Xamãs Siberianos, vestindo suas pesadas roupas de pele, viajando velozmente em seus trenós puxados por renas, em busca do sagrado cogumelo vermelho e branco, colhidos um a um e armazenados em um saco de couro, para serem compartilhados com os membros destacados da tribo. O sacerdote entra pela chaminé das moradas (a passagem para as pessoas e para a fumaça das fogueiras é a mesma, neste tipo de tenda…), presenteando os moradores com suas cantigas, danças e, é claro, o fungo mágico, o qual, para ter sua toxidade diminuída, é assado na fogueira, espetado em galhos. Alguns dos efeitos deste vegetal é a sensação de voar, além de vermelhidão nas bochechas e nariz, comumente acompanhados de surtos de gargalhadas…
Qualquer semelhança com a moderna figura do Papai Noel de rosto rosado, aterrizando de seu vôo, colocando presentes à lareira, assando marshmallows e rindo à toa, é muito mais do que coincidência…
Das terras geladas do Norte, as histórias destes poderosos xamãs migraram para o restante do mundo ocidental, criando sincretismo com as lendas já estabelecidas anteriormente.
Para alcançarmos a mercantilizada e moderna figura do “Papai Natal” (natalis no latim, derivada do verbo nascor ou seja, “nascer”, de onde originaram “natal”, em português, “natale”, em italiano, e “noël“, em francês…), temos que destacar a forte influência de duas organizações muito poderosas: a antiga igreja romana e… o fabricante de um famoso refrigerante !
Uma das eficientes estratégias de disseminação na “nova” religião era a de incorporar para si, as datas, festejos, ritos e personagens de suas “concorrentes”, adaptando-os para si. Desta forma, eram mais facilmente aceitos e compreendidos pela população, acostumada com os antigos deuses e cerimônias. Por exemplo, a data comemorativa do nascimento de Jesus de Nazaré foi alterada mais de uma dezena de vezes, convenientemente coincidindo com festividades já existentes do público alvo. A última data assumida corresponde ao solstício de inverno no hemisfério norte, ocasião em que festejavam o deus Mitra, cujo principal templo era onde hoje se encontra o Vaticano… Especificamente sobre o tema deste artigo, os publicitários (também me considero um…) papais conseguiram “salvar vários coelhos com uma só cajadada no caçador” (é que sou vegetariano…): criaram o “super-xamã” ! Nenhum trenó de renas voava mais veloz do que o do bispo Nicolau; ninguém trazia presentes melhores que os dele: moedas de ouro para as donzelas sem dote e brinquedos para as crianças, fabricados por um exército de demônios que ele subjugou, obrigando-os a trabalhar para ele.
As mesmas forças que transformaram “vossa mercê”, em “vós mecê”, depois em “mecê”, “você”, “ocê”, até o atual “cê”, fizeram com que “Saint Nikolaus” (Santo Nicolau) migrasse para os Estados Unidos, como “Santa Claus” e de um bispo católico, para um personagem cristão genérico.
Alguns estudiosos do xamanismo afirmam que, nas cerimônias com os cogumelos sagrados, os sacerdotes vestiam-se com as mesmas cores deste alucinógeno vegetal. Eis que em 1931, finalmente o personagem é ilustrado com vermelho e branco, justamente as cores do rótulo da bebida que patrocinou a campanha publicitária, que se renova todos os anos, desde então, associando o “bom velhinho” a esta marca específica.
É uma ironia do destino que, este produto que nasceu como xarope para dores de cabeça e que se reinventou como refrigerante, utilize as mesmas cores do fungo “mágico”, ainda mais porque seu nome sugere que os extratos vegetais de sua fórmula secreta tenham a ver com a folha-de-Coca e a noz-de-Cola, poderosos estimulantes, mas que, felizmente, longe estão da toxidade da referida planta xamânica.
Claro, sei que existe muitas outras versões igualmente plausíveis para tudo que abordamos neste pequeno texto. Creio que nunca saberemos o que é verdade e o que é ficção, quais histórias foram propositadamente criadas com fins bem definidos e as que surgiram espontaneamente oriundas dos sonhos e anseios da humanidade. O importante é constatarmos que estas festividades, mais do que simples produtos do mercantilismo moderno, remontam ao universo dos Arquétipos, dos Símbolos e do Inconsciente Coletivo, que fascina não só aos Terapeutas Holísticos (inclusive, por obrigação profissional de estudar…), como a qualquer indivíduo em busca do conhecimento.
Independente disso, ainda que no Brasil seja verão, desejo um feliz festejo de solstício de inverno para todos !
Henrique Vieira Filho é artista plástico, escritor, jornalista e terapeuta holístico. Nas artes, é autodidata e seu estilo poderia ser classificado como surrealismo figurativo.
Por mais de 25 anos, esteve à frente da organização da Terapia Holística no Brasil, sendo presença constante nos meios de comunicação.
Elaborou as Normas Técnicas e Éticas da profissão, além de ser autor de dezenas de livros e centenas de artigos, que são adotados como referência em vários países.